Em um dia normal, João* é apenas um carroceiro em busca do sustento de sua família. Em um dia normal, ele caminha pela cidade, mas é invisível pela sociedade. Em um dia normal, é xingado na rua por sua carroça atrapalhar o trânsito. Em um dia normal, sua mulher é acusada de ser irresponsável por fazer filhos para ganhar bolsa família. Em um dia normal, seus filhos são taxados como futuros bandidos e traficantes. Em um dia normal, ninguém lhe daria um real, pois diriam que seria para cachaça. Em um dia normal, João seria visto com desconfiança por onde anda. Um dia normal para ele, é um dia solitário e de muitos sacrifícios.
Mas aquele não era um dia normal, era um dia de manifestação. E quando percebeu, João já estava fantasiado para o evento. E por estar fantasiado, sua carroça também foi preparada para momento: colocaram a bandeira do Brasil, faixas e cartazes. Como sua família estava presente, sua mulher e filhos também receberam roupas amarelas e verdes para vestir. Até os cachorros que acompanhavam ganharam adornos com as cores da bandeira. Estavam todos prontos para o espetáculo, como atores de rua em uma peça.
Como estava vestido para um dia de manifestação, ele recebeu a atenção das pessoas e foi abraçado por muitos. Tiravam “self” para postar nas redes sociais. Era questionado e filmado na expectativa de algum depoimento marcante. Filosofaram e criaram teorias sobre sua presença no evento. Ele ganhou churrasquinho, entre outras comidas. Foi presenteado com camisas e roupas diversas. Toda sua família ganhou presentes. Conseguiu arrecadar muito dinheiro com as doações que recebia. João precisava deles e, naquele momento, eles precisavam de João. Ele e sua família eram a exceção que todos queriam ver, não estavam de vermelho como seria esperado (e recriminados), estavam de verde e amarelo. E todos ficaram felizes naquele dia, João por conseguir sustentar sua família e os manifestantes por encontrarem uma família humilde no meio da manifestação. Sim, a existência da pobreza foi comemorada.
O dia seguinte, foi mais um dia normal da vida de João, como todos os outros depois. Sem abraços na rua. Sem fotos e câmeras. Sem presentes e comida grátis. Ninguém baixou o vidro do carro para lhe dar atenção, muito menos ajudar com dinheiro. Voltou a ser visto com desconfiança. Voltou a ser invisível e sua carroça voltou a atrapalhar a o trânsito. Sua mulher voltou a ser irresponsável e seus filhos voltaram a ser um futuro problema.
Agora João espera o próximo dia de protesto. Como todo brasileiro que se vira como pode para sustentar a família, ele percebeu a fonte de renda existente em um dia de manifestação. Da mesma forma que outros também perceberam a possibilidade de ganhar dinheiro nesses momentos e já se encontram no meio da multidão vendendo bebidas, comidas e produtos patrióticos como bandeiras e bandanas verde e amarela. Para muitas pessoas, um dia de manifestação virou um dia de trabalho. Ignorando as questões políticas, esses trabalhadores até torcem para mais desses dias, onde conseguem ganhar um dinheiro extra para ajudar em casa.
* nome fictício
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